Na última semana recebemos muitos contatos dos nossos leitores, perguntando sobre possíveis ilegalidades ocorridas no concurso da ANCINE, feito pelo CESPE, para o provimento das vagas relativas ao cargo de Analista Administrativo, área I. As reclamações ocorreram porque, para os candidatos desse cargo, o comando de uma das questões da prova estaria divergente do que foi exigido no espelho de correção.
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Os consultores do #FocoNosConcursos analisaram as demandas recebidas pelos seus leitores e, de fato, o CESPE cometeu grave equívoco nos termos divulgados pelo espelho de correção das provas discursivas.
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Por esse motivo, hoje disponibilizaremos uma análise jurídica do problema enfrentado pelos candidatos, informando o posicionamento dos Tribunais sobre a declaração de nulidade da questão discursiva.
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Além disso, na quarta-feira, publicaremos uma análise detalhada da questão aplicada pelo CESPE, justificando o motivo pelo qual houve divergência entre o que foi exigido pelo o comando da questão e o que foi cobrado pelo espelho de correção, bem como o que deve ser considerado para uma resposta correta nos termos na Lei e da jurisprudência.
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Divergência entre o comando da questão e espelho de correção divulgado
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O caso hipotético posto para resolução versava sobre a contratação, por dispensa de licitação, de uma determinada empresa organizadora de concurso público. Tal contratação, segundo a prova, teria extrapolado o valor permitido para admissão da dispensa de licitação. Além disso, segundo o comando da questão, não havia previsão contratual para a abertura de prazo para o oferecimento de defesa final relativa a possível aplicação da pena de inidoneidade à empresa contratada – organizadora do certame.
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Sendo essas as considerações do comando da questão, em um item específico para a resolução do caso, o candidato deveria descrever sobre a “regularidade da ausência de previsão contratual para a abertura de prazo para o oferecimento de defesa final relativa a possível aplicação da pena de inidoneidade à empresa”.
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Por mais redundante que possa parecer, pelo grifo inserido, verifica-se claramente que a banca pretendia que o candidato discorresse sobre a regularidade, ou não, de se firmar um contrato administrativo sem a previsão contratual expressa do prazo para a defesa final em caso de aplicação da pena de inidoneidade.
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Embora a questão não permitisse outras interpretações, o CESPE informou, na divulgação do espelho de correção, que o candidato deveria tecer considerações sobre a ausência de abertura de prazo para oferecimento de defesa final relativa a possível aplicação da pena de inidoneidade à organizadora do certame, referindo-se, portanto, ao procedimento de um processo administrativo e não mais aos termos do contrato firmando.
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Visão dos Tribunais
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A análise dos possíveis vícios nas questões aplicadas nas provas públicas não é facilmente realizada pelo judiciário que, como já dissemos em outras oportunidades, devido ao princípio da separação dos poderes, ainda é muito tímido no que diz respeito à proporção da sua atuação.
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No entanto, em algumas situações excepcionais, onde há uma análise objetiva do ato administrativo, é permitida a interferência judicial para determinar a nulidade de determinadas questões de prova.
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Assim, quando o Poder Judiciário é provocado, a sua atuação deve ser limitada a uma linha tênue, permitindo, por um lado, a atuação quando a ação tem como objetivo obter o controle do ato administrativo praticado (legalidade, moralidade, publicidade) e impedindo, por outro lado, quando se questiona o critério de correção aplicado pela banca, as distribuições da pontuação, a justiça ou injustiça da nota concedida ao candidato.
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No caso da prova da ANCINE, entendemos que a atuação do judiciário será permitida, e até devida, uma vez que provoca, de forma muito objetiva, a análise sobre a legalidade – ou ilegalidade – na conduta da banca executora do certame que modificou, claramente, o comando da questão na oportunidade de divulgação do espelho de correção.
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Temas semelhantes a esse já foi objeto de análise do Poder Judiciário – mais especificamente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – que decidiu a favor dos candidatos:
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AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. RECURSOS INTERPOSTOS DE PROVA DISCURSIVA. CRITÉRIO DE CORREÇÃO UTILIZADO POR BANCA EXAMINADORA, PARA REVISÃO DA QUESTÃO IMPUGNADA, EM DESCONFORMIDADE COM A FORMULAÇÃO CORRETA DA RESPOSTA. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. POSSIBILIDADE DE NULIDADE PARCIAL DA QUESTÃO DISCURSIVA.
1. A resposta da Banca Examinadora não pode destoar dos critérios de correção divulgados, de forma expressa, no espelho da avaliação da prova discursiva, pois tal incongruência acarreta a nulidade parcial ou total da referida questão.
2. O princípio da razoabilidade deve nortear a motivação da apreciação subjetiva da Administração Pública, devendo, portanto, ser factível, razoável e verdadeira.
3. Agravo de instrumento improvido.
(TRF-5 – AGTR: 56757 PE 0017930-16.2004.4.05.0000, Relator: Desembargador Federal Paulo Gadelha, Data de Julgamento: 15/02/2007, Terceira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça – Data: 16/04/2007 – Página: 585 – Nº: 72 – Ano: 2007)
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Efeitos de uma decisão judicial favorável
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Alguns dos nossos leitores, interessados em saber sobre o possível cabimento de uma ação judicial contra o ato do CESPE, perguntaram sobre os efeitos de uma decisão judicial favorável. Ela abrangeria os demais candidatos, acarretando na anulação da questão para todos?
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A resposta é não.
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Para aqueles que pretendem ingressar com uma ação discutindo a atuação do CESPE na prova da ANCINE, é importante lembrar que, ao contrário do que acontece quando a banca do concurso voluntariamente anula uma questão de prova, concedendo pontos a todos os participantes, as decisões proferidas na esfera judicial beneficiam somente quem entrou com a ação.
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Assim, candidato, mesmo que o seu colega tenha sido apenado na mesma questão da prova, se você procurou o Poder Judiciário e teve um provimento favorável, a decisão proferida não poderá beneficiar quem não foi parte da demanda.
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Aliás, esse tema já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal:
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ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO DE CANDIDATO DECORRENTE DE DECISÃO JUDICIAL. PRETERIÇÃO. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES. I – A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que não há preterição quando a Administração realiza nomeações em observação a decisão judicial. II – Agravo regimental improvido.
(STF – RE 594917 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 09/11/2010, DJe-226 DIVULG 24-11-2010 PUBLIC 25-11-2010 EMENT VOL-02438-02 PP-00356)
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Pela leitura do acórdão acima destacado, fica claro que essa questão está pacífica no Supremo Tribunal Federal, que entende que o candidato nomeado por ordem judicial não causa prejuízo aos demais que aguardam na ordem de classificação.
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Por: Thaisi Jorge, advogada, especialista em concurso público
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