A Lei 8.666/93 reserva a Seção I do seu Capítulo 3 para tratar sobre os contratos administrativos e, logo no artigo 55, estabelece o rol de cláusulas que entende como necessárias – ou essenciais – à fiscalização do cumprimento do compromisso assumido entre o particular e a Administração Pública.

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A doutrina[1] informa que tais cláusulas são consideradas como o conteúdo mínimo exigido para a formalização do contrato administrativo, não excluindo, portanto, outros arranjos contratuais que se fizerem necessários.

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Daí advém a divisão entre as cláusulas necessárias e as facultativas, sendo que as primeiras, obrigatórias por natureza, possuem correspondência direta com o artigo 55 acima mencionado, e, as segundas, podem ou não constar no instrumento contratual.

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Mas vejam que não é apenas a doutrina que reconhece a divisão das cláusulas e, por conseguinte, a obrigatoriedade de umas e a faculdade de outras. A jurisprudência dos Tribunais de Contas também revelam essa diferenciação, conforme se verifica do seguinte trecho:

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Processo Administrativo. Cláusulas necessárias. “Considero que as mencionadas cláusulas, além de exigidas por lei, são essenciais à fiscalização do cumprimento dos compromissos assumidos com a Administração contratante, bem como à aferição de satisfatoriedade e responsabilização pela execução do contrato, como ressalta Hely Lopes Meirelles: ‘todo contrato administrativo possui cláusulas essenciais ou necessárias e cláusulas acessórias ou secundárias.  Aquelas fixam o objeto do ajuste e estabelecem as condições fundamentais para sua execução; estas  complementam e esclarecem a vontade das partes, para melhor atendimento do avençado. As primeiras não podem faltar no contrato, [sob] pena de nulidade, tal seja a impossibilidade de se definir seu objeto e de se conhecer, com certeza jurídica, os direitos e obrigações de cada uma das partes; as segundas, por sua irrelevância, não afetam o conteúdo negocial, podendo ser omitidas sem invalidar o ajuste’ (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo, 24ª edição, 1999, pág. 204)”. (Processo Administrativo n.º 715979. Rel. Conselheira Adriene Andrade.  Sessão do dia 30/10/2007)

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Tal entendimento consta publicado na Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, em comentário ao artigo 55 da Lei 8.666/1993 que, como dissemos, versa sobre as cláusulas consideradas necessárias à formalização, execução e fiscalização do contrato administrativo.

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Assim, segundo a proposta original da banca organizadora do concurso da Ancine, a resposta para a questão seria facilmente resolvida com a lembrança do que dispunha o referido artigo 55 sobre as cláusulas necessárias: a previsão contratual de prazo para o oferecimento de defesa final relativa a possível aplicação da pena de inidoneidade à empresa não é cláusula essencial para a formalização, execução e fiscalização do contrato administrativo.

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No caso de ser necessária a declaração de inidoneidade da empresa que contratou com a Administração Pública, é preciso frisar que, primeiramente, abre-se um processo administrativo, facultando à parte a sua defesa. Isso porque, qualquer conduta diversa confrontaria diretamente com a Constituição Federal, que garante o direito ao contraditório e ampla defesa.

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Assim, no âmbito do processo administrativo, será obrigatória, sob pena de nulidade, a abertura do prazo de 10 dias para que seja facultado, ao interessado, a apresentação de defesa sobre a possível aplicação da sanção de declaração de inidoneidade.

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Aliás, esse é o conteúdo do julgado do STJ, como se verifica:

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DIREITO ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDOINEIDADE DE EMPRESA LICITANTE. ABERTURA DE PRAZO. DEFESA FINAL. INOCORRÊNCIA. NULIDADE.

A ausência de abertura de prazo para oferecimento de defesa final sobre a possível aplicação da pena de inidoneidade acarreta nulidade no processo administrativo a partir desse momento processual, não logrando êxito a pretensão de nulidade ab initio.O § 3º do art. 87 da Lei n. 8.666/1993 dispõe que, no caso de aplicação da aludida sanção, é facultada ao interessado a defesa no prazo de dez dias. Assim, deve ser anulado o processo administrativo a partir do momento em que a Administração deixou de oportunizar o referido prazo, por manifesto cerceamento de defesa. Precedente citado: AgRg na RCDESP no MS 15.267-DF, DJe 1º/2/2011.

MS 17.431-DF, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 26/9/2012.

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Assim, fica claro que a banca organizadora do concurso misturou duas situações completamente distintas, que não se confundem: a desnecessidade de previsão contratual determinando o prazo para apresentação de defesa relativa a possível aplicação da pena de inidoneidade com a obrigatoriedade de concedera tal prazo no processo administrativo aberto para aplicação da sanção administrativa.

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Com esses fundamentos, é plenamente possível questionar a banca do concurso, que não pode sustentar os argumentos lançados na resposta ao recurso administrativo apresentados pelos candidatos, tendo em vista a clara ausência de motivação válida.

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Por: Thaisi Jorge, adovogada, especialista em concurso público
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[1] Marçal Justen Filho, 2012; Jessé Torres Pereira, 2007; Maria Sylvia Zanella di Pietro, 2009

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.

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