Segundo o que determina a Lei nº 12.990/14, a classificação dos candidatos cotistas deve ser feita nas duas listas – ampla concorrência e lista especial – como se vê:

 

Art. 3º  Os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso.

§1º Os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas.

 

Muito embora o caput do art. 3o acima destacado seja claro, em decorrência de uma má interpretação do §1º deste dispositivo, o fato é que muitas vezes bancas de concurso incluem os candidatos cotistas apenas na lista da ampla concorrência quando estes apresentam nota suficiente para configurar nas duas listas – ampla concorrência e lista especial .

 

Ocorre que agindo desta forma a banca do concurso prejudica os candidatos cotistas melhores classificados, influenciando em toda a ordem classificatória do concurso.

 

É preciso lembrar que uma Lei jamais pode ser lida ou aplicada isoladamente. Deve-se conjugá-la não só com as disposições constitucionais, mas também com os demais dispositivos que a integram.

 

É o caso em análise:  o art. 3º caput determina que a classificação dos candidatos cotistas deve ser feita nas duas listas – tanto na lista de ampla concorrência quanto na lista especial – e, por decorrência lógica, o direito de ser nomeado na lista que mais lhe beneficiar. Já o §1º do dispositivo legal, por sua vez, informa que aqueles candidatos cotistas também aprovados dentro do quantitativo de vagas previsto no edital para ampla concorrência não serão computados para fins de cálculo (aplicação do percentual legal) do total de vagas reservadas a cotistas.

 

Analisando as disposições da Lei em conjunto, podemos verificar que a intenção da Lei é clara: o legislador quis excluir do cômputo das vagas destinadas à ação afirmativa aquelas preenchidas por candidatos que, embora autodeclarados negros no momento da inscrição, tenham demonstrado capacidade para a obtenção de êxito no certame sem precisar contar com o auxílio da política pública.

 

O  §1º do art. 3º acima transcrito, portanto, não autoriza a Administração Pública a antecipar a convocação dos candidatos cotistas que não restaram aprovados dentro do quantitativo de vagas para ampla concorrência, em detrimento daqueles que, mais bem classificados na lista específica, restaram também aprovados para as vagas da listagem geral, sob o pretexto de que estes já teriam sua nomeação assegurada em razão de lhes assistir direito subjetivo(futuro) à nomeação, justamente porque aprovados dentro do quantitativo de vagas previsto no edital.

 

Assim, quando a banca do concurso não classifica o candidato cotista para ambas as listas (especial e ampla concorrência), o ato administrativo, além de não coadunar com o texto normativo da Lei nº 12.990/14, promove manifesto tratamento desigual entre candidatos, desrespeitando a rigorosa ordem de classificação da listagem de cotistas.

 

Portanto, o candidato cotista que teve nota suficiente para figurar na ampla concorrência deve gozar de todas as vantagens atribuídas aos candidatos cotistas por meio da ação afirmativa, sendo certo que a classificação dos candidatos cotistas deve ser feita nas duas listas; o único ponto que o distingue dos demais cotistas é que sua vaga da ampla concorrência, quando utilizada, não irá impactar o cômputo global de vagas reservadas para esses candidatos.

 

Para saber mais, leiam a íntegra de um julgamento do TRF4 sobre o assunto, clique aqui. 

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.

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