No ano passado publicamos um texto no #FocoNosConcursos comentando sobre a difícil situação dos candidatos portadores de surdez unilateral, que reiteradamente eram descaracterizados como portadores de necessidades especiais pelas bancas organizadoras de concursos, o que contrariava o posicionamento de maciça jurisprudência.
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Ocorre que em março deste ano, o STJ, que era o grande propulsor do enquadramento destes candidatos na categoria de PNE, proferiu um julgado inovador, contrariando o posicionamento já pacificado nos Tribunais, como se vê:
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ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. CONCEITO DE DEFICIENTE AUDITIVO. DECRETO 3.298/99 ALTERADO PELO DECRETO 5.296/2004. APLICAÇÃO AO EDITAL COM AMPARO NORMATIVO. JURIDICIDADE.
PRECEDENTE DO STF. DIVERGÊNCIA FÁTICA QUE DEMANDARIA DILAÇÃO PROBATÓRIA. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
1. Cuida-se de writ of mandamus impetrado contra o Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça e o Diretor Geral do Centro de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE – UnB), no qual candidata em concurso público, portadora de surdez unilateral, alega que deveria ser enquadrada na qualidade de deficiente físico, por interpretação sistemática dos arts. 3º e 4º do Decreto n. 3.298/99 em cotejo com a Constituição Federal e convenções internacionais.
2. O Decreto n. 5.296/2004 alterou a redação do art. 4º, II, do Decreto n. 3.298/99 e excluiu da qualificação “deficiência auditiva” os portadores de surdez unilateral; a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal frisou a validade da referida alteração normativa. Precedente: AgRg no MS 29.910, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, Processo Eletrônico, divulgado no DJe 146 em 29.7.2011 e publicado em 1º.8.2011.
3. A junta médica tão somente emitiu laudo técnico em sintonia com as previsões do Edital 1 – STJ, de 8.2.2012, cujo teor meramente remete ao Decreto n. 3.298/99 e suas alterações, que foi o parâmetro do ato reputado coator, em verdade praticado sob o pálio da juridicidade estrita.
4. Para apreciar qualquer argumento no sentido de que haveria alguma incapacidade diversa da impetrante em prol de a alocar na qualidade de deficiente auditiva seria imperioso realizar contraditório e dilação probatória, providências vedadas em sede de rito mandamental. Precedente específico: AgRg na AO 1622/BA, Relator Min.
Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 21.6.2011, publicado no DJe – 125 em 1º.7.2011 e no Ement. vol. 2555-01, p. 1. No mesmo sentido: AgRg no RMS 33.928/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 27.10.2011.
Segurança denegada.
(MS 18966/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro HUMBERTO MARTINS, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/10/2013, DJe 20/03/2014)
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O novo posicionamento proferido pela Corte Superior foi uma surpresa para todos os militantes na área do direito do candidato, já que vai de encontro não só com a maciça jurisprudência sobre o assunto, mas também contraria o movimento legislativo que, atualmente, possui um Projeto de Lei para estabelecer, expressamente, que a deficiência auditiva é a perda unilateral ou bilateral, total ou parcial, de 41 dB ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz e 3.000 Hz.
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Apesar deste acórdão ainda não ser definitivo, pois ainda há recursos pendentes de julgamento, certo é que o novo posicionamento do STJ influenciou negativamente a situação dos candidatos portadores de surdez unilateral, pois, se antes a situação era  bem definida na jurisprudência, agora passa por um momento de instabilidade, já que alguns magistrados adotam o posicionamento recente do STJ e, outros, o posicionamento antigo.
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É o caso, por exemplo, do Tribunal Regional Federal da Primeira Região que, apesar do entendimento diverso do STJ, ainda mantém os candidatos portadores de surdez unilateral na condição de portadores de necessidades especiais, fazendo jus à proteção prevista no diploma legal específico:
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CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. SURDEZ UNILATERAL. DEFICIÊNCIA AUDITIVA CARACTERIZADA. CONCORRÊNCIA ÀS VAGAS RESERVADAS AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. POSSIBILIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA.
I – Na inteligência jurisprudencial deste egrégio Tribunal Regional, “é assegurada a reserva de vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais acometidos de perda auditiva, seja ela unilateral ou bilateral” (AGRAC 0054771-93.2010.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.254 de 25/10/2013).  II – Em sendo assim, configurada a condição de deficiente auditivo do impetrante afigura-se ilegal, passível de correção pela via mandamental, o ato da autoridade coatora, que não considerou comprovada a condição de deficiente físico do candidato, excluindo-o do concurso público para o cargo de Técnico Judiciário do Supremo Tribunal Federal, nas vagas destinadas aos portadores de deficiência física.  III – Apelação e remessa oficial desprovidas. Sentença confirmada.
(TRF1 – AMS 0032882-54.2008.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.243 de 26/03/2014)
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Como visto, o tema, que ainda está longe de ser pacificado definitivamente pelos Tribunais, ainda guarda muita polêmica, restando, aos candidatos, aguardar por uma solução da questão.
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Por: Thaisi Jorge, advogada, especialista em concurso público

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.

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