Muito se tem comentado sobre o PLS 74/2010, conhecido como Lei Geral dos Concursos.

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A popularidade do assunto decorre da carência de uma lei que regulamente a grande indústria dos concursos públicos, proibindo os excessos da Administração e das bancas executoras e confortando os candidatos.

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Embora a Lei Geral dos Concursos ainda não esteja em vigor, vale a pena conferir quais são as principais propostas e benefícios que estão por vir.

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Edital do concurso

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As questões judicializadas que envolviam o Edital de abertura do certame foram tratadas com invejosa meticulosidade no PLS 74/2010.

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A atual redação do PLS 74/2010 regulamenta um prazo mínimo de 90 dias entre a divulgação do edital e a realização da primeira prova do certame, garantindo que o candidato não tenha sustos e se prepare com tempo suficiente para a prova (At. 12, I).

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Essa disposição é muito importante, pois se o escopo do concurso público é selecionar aqueles candidatos melhores preparados para a execução das atividades inerentes ao cargo público, nada mais justo do que conceder um generoso prazo para a sua preparação.

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No que tange aos requisitos de acesso ao cargo ou emprego público, como é o caso de escolaridade mínima ou qualificação profissional, o PLS determina que não serão exigidas formalidades sem expressa previsão em lei ou antes da data da investidura no cargo (art. 10).

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Oferta de vagas

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Com a aprovação da Lei Geral dos Concursos, também a oferta simbólica de vagas, esta definida como um valor inferior a 5% das vagas do respectivo cargo ou emprego existente no órgão ou entidade, está fadada à ilegalidade (Art 13, V).

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Essa restrição representa o fim dos concursos que oferecem pouquíssimas vagas para preenchimento imediato e um longo cadastro reserva que, na maioria das vezes, não é aproveitado pelo órgão ou entidade organizadora do concurso público.

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Também será vedada a realização de concurso público exclusivamente destinado à formação de cadastro de reserva.

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Certamente, essas restrições terão muitos efeitos concretos aos candidatos, que não se verão frustrados com a arbitrariedade dos órgãos públicos e entidades que, muitas vezes, sequer possuem a real pretensão de preencher o seu quadro de servidores.

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Conteúdo programático

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A discriminação do conteúdo programático de cada disciplina deverá ser feita de forma clara, precisa e específica (Art. 13, XI).

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Essa determinação é extremamente importante para o candidato, que passará a gozar de uma maior segurança com relação aos limites do conteúdo programático disposto no edital.

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Nesse contexto, é importante lembrar que existem muitas ações judiciais discutindo se a citação genérica de uma matéria no edital autoriza a banca executora do certame a cobrar leis específicas, sendo que a jurisprudência já se inclinava para entender que, havendo um assunto regulamentado por lei específica, a mesma deveria constar expressamente no edital.

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Além disso, outros pontos do PLS 74/2010 cuidam de vedar citação genérica de grandes tópicos do conhecimento (Art. 37, §1º).

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Com essas restrições expressas na lei, o candidato que se deparar com questões fora daquele conteúdo previamente divulgado, poderá se fundar não só na jurisprudência, mas também em um dispositivo legal regulamentador do concurso público.

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Questões de prova

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Na Seção destinada a esse assunto, o PLS 74/2010 também tenta legalizar diversas questões que já possuem forte repercussão na esfera judicial, garantindo, ao candidato, o cumprimento e a fiel observância aos princípios administrativos e constitucionais aos quais a Administração encontra-se vinculada.

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Uma das vedações que constam da Lei Geral dos Concursos se refere à impossibilidade de haver, nas provas públicas, construções de questões que levem à ambiguidade, à dubiedade ou à imprecisão semântica (Art. 23, § 1º).

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Essas situações são, há muito tempo, enfrentadas pelo Poder Judiciário que, muitas vezes, deixava de analisar o pleito principal do candidato por entender que, pela separação dos poderes, não poderia ingressar no mérito da correção das provas aplicadas (veja mais aqui).

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Todavia, a situação mudará de figura caso o PLS seja aprovado e entre em vigor com a atual redação. Isso porque, com a restrição prevista em lei, o Judiciário terá o dever de apreciar se há, na pergunta impugnada judicialmente, a alegada ambiguidade, dubiedade ou imprecisão semântica que encontra vedação legal.

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Também está condenada, pela Lei Geral dos concursos, a existência de questões objetivas que contemplem duas respostas corretas. Nesse caso, as duas respostas serão consideradas corretas, ainda que a banca argumente que uma delas é mais completa (Art. 26, §1º).

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Na nova legislação, até as provas de atualidades serão regulamentadas, sendo vedado cobrar dados irrelevantes ou de fatos de alcance meramente regional ou local (Art. 27, §2º). Além disso, o candidato contará, ainda, com a indicação de material de referência para o conteúdo programático de atualidades (Art. 27, §3º).

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Além disso, serão consideradas nulas as questões que percorram temas divergentes em relação à doutrina majoritária (Art. 38, §2º).

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Investigação social

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Muitos candidatos sentem receio em participar de um concurso público que haja a fase de sindicância da vida pregressa, tendo em vista a existência de processos criminais em seus históricos.

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Assim, regulando a fase da investigação social, o PLS 74/2010 determina que essa fase deve considerar apenas os elementos de natureza objetiva, vedando, expressamente, a exclusão de candidato que responda a inquérito policial ou que tenha, em seu histórico, processo criminal sem sentença condenatória (Art. 31).

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Por oportuno, é importante lembrar que a fase de investigação social dos concursos públicos já foi analisada pela jurisprudência, que hoje possui entendimento unânime para repugnar os atos administrativos que, eivados de subjetividade ou baseados em inquéritos, processos criminais arquivados ou ato infracional, consideram o candidato inapto para o exercício do cargo público.

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Provas físicas

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O PLS 74/2010 estabeleceu que as candidatas grávidas não poderão ser consideradas inabilitadas nas provas físicas, sendo possível a realização de requerimento para postergar o  teste em até 180 dias após o parto (Art. 32, §2º).

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Esse tópico, se transformado em Lei, certamente será alvo de muitas controvérsias sobre a sua aplicabilidade, tendo em vista que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou, em repercussão geral, o RE 630.733, decidindo pela impossibilidade de remarcação dos testes físicos, salvo se houver expressa previsão em edital.

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Testes psicológicos

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Na ausência de uma regulamentação sobre concursos públicos, o Poder Judiciário resolveu diversos casos baseados nos princípios administrativos, tais como publicidade, motivação, razoabilidade, moralidade.

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No caso dos testes psicotécnicos ou psicológicos, a jurisprudência já estava consolidada no sentido de que é vedada a aplicação de critérios sigilosos para motivar a aprovação ou reprovação de candidato a concurso público. Todavia, como dito, tal entendimento não se baseava em lei, mas, sim, nos princípios administrativos.

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Com a aprovação do PLS 74/2010, o candidato contará, então, com um artigo destinado exclusivamente para regulamentar a aplicação de tais testes.

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Segundo o texto da Lei, todas as avaliações dos exames psicotécnicos e psicológicos não poderão consistir exclusivamente em entrevista e deverão ser fundamentadas em critérios objetivos, podendo, os candidatos, obter cópia de todo o processo (Art. 34).

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Além disso, a Lei Geral dos Concursos proibiu, expressamente, a aplicação dos testes psicotécnicos para aferição do perfil profissiográfico, avaliação vocacional ou determinação de quociente de inteligência (Art. 49).

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Critérios de avaliação

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Inúmeras ações judiciais giram em torno da ausência de publicidade dos critérios de avaliação das provas aplicadas em concurso público. Sendo que um dos possíveis tópicos mais polêmicos corresponde à legalidade (ou ilegalidade) da ausência de publicação da resposta padrão das provas discursivas, como foi levantado pela equipe do #FocoNosConcursos (clique aqui).

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Assim, a Lei Geral dos Concursos, atenta às demandas dos candidatos, regulamentou expressamente que, a avaliação das respostas às questões discursivas e orais deverá ser feita com base no espelho de correção e uma reposta padrão, que deverão ser fornecidos com o resultado preliminar da prova (Art. 46).

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Recursos administrativos

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Com a vigência da Lei Geral dos Concursos, com a sua atual redação, os candidatos terão o prazo mínimo de 5 dias úteis para realizarem os seus recursos administrativos (Art. 57, §2º).

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Além disso, havendo recurso administrativo contra o resultado das provas discursivas e orais, a banca executora do certame não poderá diminuir a pontuação anteriormente concedida ao candidato, salvo na constatação de erro aritmético (Art. 58, §4º).

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Candidatos aprovados

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Com a aprovação da Lei Geral dos Concursos, também a oferta simbólica de vagas, esta definida como um valor inferior a 5% das vagas do respectivo cargo ou emprego existente no órgão ou entidade, está fadada à ilegalidade (Art 13, V).

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Os candidatos considerados como excedentes, ou seja, classificados além do número de vagas inicialmente disponibilizadas no edital de abertura do concurso público, também encontram proteção no PLS 74/2010.

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Isso porque, segundo a atual redação dos dispositivos já aprovados pelo Senado, os candidatos excedentes possuem direito à nomeação ou contratação, limitada pelo prazo de validade do certame, em caso de demonstração inequívoca da necessidade de a Administração admitir pessoal, o que poderá ser feito mediante prova de contratação de agentes temporários ou terceirizados para o desempenho de funções inerentes aos cargos ou empregos públicos (Art. 61, §1º).

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Além disso, o PLS 74/2010 também deixou expressamente consignado que em caso de desistência expressa ou tácita de candidato nomeado ou convocado, a Administração deverá convocar os candidatos remanescentes na ordem de classificação (Art. 61, §2º).

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Importante destacar que, há algum tempo, a jurisprudência sobre concursos públicos evoluiu para garantir, ao candidato aprovado fora do número de vagas do edital, direito à nomeação quando comprovados (i) o interesse e a necessidade da Administração nomear mais candidatos para determinado cargo; (ii) a existência de cargo vago dentro do prazo de validade do certame.

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No entanto, certamente que a existência de Lei garantindo a nomeação do candidato nas condições mencionadas diminuirá as divergências jurisprudenciais sobre o assunto, garantindo a efetivação do direito de forma mais célere.

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Suspensão das nomeações

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A suspensão temporária de nomeação ou contratação dos aprovados em determinado certame público é um pesadelo para quem está no cadastro de reserva, tendo em vista que o prazo de validade do concurso público em questão continua correndo.

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Muitos candidatos já reclamavam, inclusive judicialmente, sobrea possiblidade de suspender o prazo de validade do certame quando, por um ato do poder público, as nomeações e contratações dos aprovados em determinado concurso também estivessem suspensas.

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Assim, com a aprovação e vigência do PLS 74/2010, o candidato não teria mais que pleitear a proteção judicial, tendo em vista que a suspensão temporária de nomeação ou contratação dos aprovados suspenderia, de forma automática, o prazo de validade do certame (Art. 15, § 1º).

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Por: Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.

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