Durante essa semana, dois acórdãos do Superior Tribunal de Justiça causaram rebuliço na vida dos candidatos que, mesmo respondendo a processos criminais, pretendem participar de concursos públicos que possuem  fase de investigação social.

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Isso porque, muito embora a jurisprudência já estivesse sedimentada para afirmar que somente a sentença condenatória  com trânsito em julgado seria capaz de eliminar o candidato a concurso público, tendo em vista que entendimento diverso poderia violar o princípio constitucional da presunção de inocência, os Ministros da primeira turma do STJ decidiram inovar na matéria.

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Assim, nos dois precedentes, os Ministros decidiram, de forma unânime,  que é legítima a exclusão de candidato para o cargo da polícia, quando, na fase de investigação social, fica comprovado que ele responde a ações penais, tendo em vista a incompatibilidade de tal fato com a função pública que pretende exercer.

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Eis as ementas dos tão polêmicos acórdãos[1]:

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ADMINISTRATIVO. CONCURSO PARA DELEGADO DE POLÍCIA. FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL. CANDIDATA DENUNCIADA PELA PRÁTICA DOS CRIMES DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA E DE CORRUPÇÃO ATIVA.

O Superior Tribunal de Justiça tem inúmeros precedentes no sentido de que o candidato indiciado  em inquérito policial  ou condenado em sentença penal sem trânsito em julgado não pode ser eliminado do concurso público com base nessas circunstâncias.

Essa jurisprudência pode justificar-se a respeito de  cargos públicos de menor envergadura, v.g., o de agente penitenciário, precisamente a situação examinada no precedente de que trata o RMS 32.657, RO, relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima (DJe, 14.10.2010).

Outra, no entanto, deve ser a solução quando se cuida daqueles cargos públicos cujos ocupantes agem stricto sensu em nome do Estado, incluído nesse rol o cargo de Delegado de Polícia.

O acesso ao Cargo de Delegado de Polícia de alguém que responde ação penal pela prática dos crimes de formação de quadrilha e de corrupção ativa compromete uma das mais importantes instituições do Estado, e não pode ser tolerado.

Recurso ordinário desprovido

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. EXCLUSÃO DE CANDIDATO POR MAUS ANTECEDENTES. CONDENAÇÃO PENAL. ATOS INCOMPATÍVEIS COM A DIGNIDADE DA FUNÇÃO PÚBLICA. REGRA PREVISTA NO EDITAL. LEGALIDADE. MORALIDADE. RAZOABILIDADE. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE.

1 – Em que pese a ampla devolutividade que marca o recurso ordinário, a jurisprudência desta Corte tem se orientado no sentido de não ser possível a apreciação de questões suscitadas apenas por ocasião da sua interposição. Precedentes.

2 – Cabia ao autor, nos termos do art. 333 do CPC, a imediata prova do fato constitutivo do seu direito, mormente em se tratando de mandado de segurança, ação que não admite dilação probatória, mas desse ônus não se desincumbiu. Dessarte, na ausência de prova documental robusta que permita um juízo em contrário, presumem-se legítimos os atos praticados pela Administração, tanto mais quando validados pelo acórdão recorrido.

3 – Não se desconhece a farta jurisprudência desta Corte, e também do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o princípio constitucional da presunção de inocência impede a exclusão de candidatos pelo simples fato de responderem a inquérito policial ou ação penal sem trânsito em julgado. Todavia, não é esta a hipótese dos autos – e nem mesmo o recorrente a invoca – porque o quadro fático delineado desde a exordial direciona a discussão para o campo de outros princípios (legalidade, moralidade e razoabilidade), estes, sim, os parâmetros que se mostram adequados, à luz dos fatos que deram origem ao ato impugnado.

4 – A legalidade da exclusão do impetrante do rol dos aprovados é inconteste pois, como ele próprio admite, “é bem verdade que o edital do concurso é claro no sentido de que a investigação social terá caráter eliminatório e tem como objetivo verificar a vida pregressa do candidato”.

5 – Ora, se é possível entender a moralidade administrativa como sendo a “atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé”, tal como preconiza o art. 2º, parágrafo único, inciso IV, da Lei n. 9.784/1999, nada há de imoral no ato administrativo que, calcado em expressa regra editalícia, já dantes conhecida, impede o ingresso, nas fileiras da Polícia Militar, de candidato com antecedentes criminais.

6 – Razoabilidade, tal como a apresenta a lei vigente, é “a adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público” (Lei n. 9.784/1999, art. 2º, parágrafo único, inciso VI). À luz desse preceito, e tendo em mente as funções do policial militar, mostra-se indefensável a tese de que a exigência de certidão criminal negativa seria restrição maior do que aquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público, até porque, por qualquer ângulo que se possa apreciar a questão, é certo que a razoabilidade se interpreta pro societas, e não em função dos interesses particulares.

7 – Os princípios jurídicos que o impetrante invoca em favor se sua pretensão, a saber, legalidade, moralidade e razoabilidade, são exatamente os preceitos que impedem o seu ingresso nos quadros da Força Policial.

8 – Recurso ordinário a que se nega provimento.

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Analisando detidamente o teor dos julgados, é fácil perceber que o novo entendimento da primeira turma do Superior Tribunal de Justiça não pretende ignorar os precedentes maciços sobre o tema. Na realidade, pretendem aplicar o princípio da presunção de inocência apenas a uma parcela dos candidatos, mais especificamente àqueles que concorrem a “cargos públicos de menor envergadura, v.g., o de agente penitenciário”, mantendo a outra parcela, como é o caso dos candidatos que concorrem a cargos na polícia, longe do ditame constitucional.

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Ora, mas a Constituição Federal permite a aplicação parcial do princípio da inocência? Claro que não.  Ao contrário, ela preconiza, expressamente, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”[2].

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Não por outro motivo, o Supremo Tribunal Federal, Corte competente para julgar as questões constitucionais, também nessa semana, reforçou o entendimento já pacífico de que, em sede de concurso público, admitir a exclusão de candidato que responde a ações penais afronta, sim, o princípio da presunção de inocência do candidato, conforme pode ser abaixo conferido[3]:

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EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Competência do relator para negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível. Ato administrativo ilegal. Controle judicial. Possibilidade. Concurso público. Soldado da Polícia Militar. Inquérito policial. Investigação social. Exclusão do certame. Princípio da presunção de inocência. Violação. Impossibilidade. Precedentes.

1. É competente o relator (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) para negar seguimento “ao recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com a súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior”.

2. Não viola o princípio da separação dos poderes o controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos, incluídos aqueles praticados durante a realização de concurso público.

3. A jurisprudência da Corte firmou o entendimento de que viola o princípio da presunção de inocência a exclusão de certame público de candidato que responda a inquérito policial ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória. 4. Agravo regimental não provido.

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Assim, candidatos, por mais confuso que seja, muito embora o Superior Tribunal de Justiça possua novos precedentes desfavoráveis, o entendimento que prevalece sobre a questão é aquele proferido pelo Supremo Tribunal Federal, Corte competente para interpretar e aplicar os ditames constitucionais.

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Sendo assim, permanece a impossibilidade de exclusão de candidato a concurso público, para qualquer cargo, sem que haja sentença condenatória transitada em julgado.

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Por: Thaisi Jorge, advogada, especialista em concurso público

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[1] STJ,  RMS 43172/MT, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 22/11/2013;

STJ, RMS 33183/RO, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 21/11/2013;

[2] Constituição Federal, art. 5o, inciso LVII;

[3] STF, ARE 753331 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 17/09/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-228 DIVULG 19-11-2013 PUBLIC 20-11-2013.

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.

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