A aprovação em cadastro de reserva em concurso público sempre foi um tema de grandes e sérias preocupações para os candidatos que, muitas vezes, ficavam com aquele gosto amargo do “passei, mas não levei”.

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Isso porque, até o início de 2013, os tribunais entendiam que o candidato aprovado no cadastro reserva, diferentemente daquele aprovado dentro do número de vagas imediatas disponibilizadas pelo edital, não possuía direito líquido e certo (ou direito subjetivo) à nomeação, mas, sim, mera expectativa de direito.

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Dessa forma, o Judiciário entendia que a nomeação dos candidatos excedentes se inseria no limite do poder discricionário da Administração, não cabendo, a ele, imiscuir-se nessa seara para determinar – ou não – a investidura do candidato aprovado em concurso público.

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Todavia, o posicionamento judicial negativo ao candidato aprovado em cadastro de reserva comportava uma exceção: caso o candidato excedente comprovasse a existência de preterição na ordem de classificação, estar-se-ia diante de uma circunstância autorizadora da interferência do Poder Judiciário na esfera administrativa para determinar a sua nomeação pela via judicial.

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Enquanto referido entendimento era replicado maciçamente pelo Superior Tribunal de Justiça, o Supremo Tribunal Federal tinha, em sua pauta, um processo com repercussão geral[1] reconhecida, versando sobre o direito à nomeação dos candidatos aprovados em concurso público dentro do número de vagas inicialmente previstas no edital.

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Na oportunidade do julgamento do referido processo, a Corte Suprema, afirmando a existência de direito líquido e certo à nomeação daqueles candidatos aprovados dentro das vagas inicialmente previstas no edital, permitiu que a Administração, em algumas situações absolutamente excepcionais, motivasse a escusa do seu dever de nomear.

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Mais do que isso, a Suprema Corte ressaltou que o tema em análise – concurso público – exigia a obediência incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas a serem preenchidas, posto que o Estado-Administrador deve respeito aos princípios da segurança jurídica e da boa-fé, que são a base do Estado de Direito.

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Assim, mais do que a consolidação do entendimento de que há direito líquido e certo à nomeação daquele candidato aprovado em concurso público, a partir da publicação do julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal, o Poder Judiciário se reverenciou às diretrizes ali instituídas para decidir questões sobre o complicado tema de concurso público, estendendo a aplicação dos princípios da segurança jurídica e da boa fé também àqueles aprovados fora do número de vagas instituídas no edital.

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Não por outro motivo, no início de 2013, o Superior Tribunal de Justiça começou a sinalizar a modificação de seu entendimento quanto aos candidatos aprovados em concurso público no cadastro de reserva.

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O primeiro julgado da Corte Superior aderindo às novas orientações do Supremo Tribunal Federal foi o MS 18.881[2], da relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

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No acórdão proferido, porque o Relator reconheceu que o Edital de abertura do concurso dispunha de “49 vagas, acrescidos dos cargos que vagarem durante o período de validade do concurso público”, não se verificava um número fechado de vagas a serem preenchidas durante a validade do certame. Ao contrário, o Edital dispunha sobre a possibilidade de preencher, além das referidas 49 vagas previamente disponibilizadas, novas vagas que viessem a surgir dentro do prazo de validade do certame, até o limite de classificados em cadastro de reserva.

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Com isso, a demanda foi julgada favoravelmente à candidata excedente, que comprovou que o número das novas vagas criadas durante a validade do certame a alcançavam na classificação obtida, tratando-se, pois, de direito líquido e certo à nomeação de candidato aprovado em concurso público.

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Posteriormente a isso, sobrevieram o RMS 37.882[3] e o RMS 38.117[4], que complementaram as diretrizes até então estabelecidas para o julgamento de ações que versassem sobre o direito à nomeação dos candidatos aprovados em cadastro de reserva ante o surgimento de novas vagas.

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Nesses dois julgados, o Superior Tribunal de Justiça manteve o seu entendimento quanto à obediência às regras do edital, principalmente no que se referia à oferta de vagas, afirmando que quando a Administração fixa um número mínimo (vagas imediatas) e um número máximo (cadastro de reserva) de vagas a serem providas durante o prazo de validade do certame, não é possível admitir que, posteriormente, o gestor público alegue ausência de direito líquido e certo a nomeação do candidato aprovado e classificado nas vagas decorrentes de cadastro de reserva.

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Ocorre que, quando tudo parecia convergir a favor daqueles candidatos aprovados em cadastro de reserva, sobreveio, então, o RMS 37.841[5] que trouxe à tona, novamente, o antigo entendimento de que a criação de vaga durante o prazo de validade do certame não gera direito automático à nomeação do candidato aprovado em cadastro de reserva, pois o preenchimento das referidas vagas estaria submetido à discricionariedade da Administração Pública.

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Apesar de o referido julgado ser evidentemente um retrocesso no entendimento do STJ, trata-se de uma única decisão divergente do coro favorável que os julgadores têm encartado a favor daqueles candidatos aprovados em cadastro de reserva.

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Portanto, não há motivos para desilusões.

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As decisões favoráveis, dando a correta aplicabilidade ao que chamamos de cadastro de reserva, permanecerão em vigor, baseadas em uma justa evolução jurisprudencial para garantir uma maior proteção aos candidatos, tantas vezes prejudicados pelos atos arbitrários da Administração que, sob o manto da discricionariedade, mesmo havendo cargos vagos em seu quadro, prefere deixar escoar o prazo de validade do certame sem que realize novas nomeações.

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[1] RE 598.099, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011 EMENT VOL-02599-03 PP-00314;

[2] MS 19.227/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/03/2013, DJe 30/04/2013;

[3] RMS 37882/AC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 14/02/2013;

[4] AgRg no RMS 38.117/BA, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 04/03/2013;

[5] AgRg no RMS 37.841/AC, Rel. Ministro BENETIDO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 19/08/2013.

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Por: Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.

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