As cotas para concursos públicos ainda é um tema que provoca muitas discussões, principalmente quando nos deparamos com a forma da sua implementação pela banca de concurso público.

 

Em regra, o candidato precisa se autodeclarar cotista no momento da inscrição.

 

Após, também em regra, o candidato é submetido a uma banca avaliadora, que determinará se ele continuará seguindo pela concorrência das cotas para ou, caso contrário, se será retirado desta seleta lista.

 

Esta fase de verificação da condição declarada pelo candidato tem como objetivo fiscalizar o correto cumprimento do sistema de cotas – garantindo-as para quem, de fato, pode ser considerado como candidato negro ou pardo.

 

No entanto, algumas vezes nos deparamos com decisões equivocadas, retirando, de forma equivocada, o direito de candidatos  a continuarem seguindo pelo sistema de cotas para concurso público.

 

Analisando a Lei nº 12.990/14, transparece que o legislador pretendeu exigir uma cautela para a aceitação da condição de cotista que vai além da autodeclaração, resultando, daí, em um procedimento de verificação da idoneidade das afirmações dos candidatos que pretendam fazer parte também desta concorrência.

 

No entanto, a Lei não estabeleceu a forma como se daria o controle das autodeclarações, sendo certo que, hoje, o mais comum é a verificação pela banca avaliadora que, frisa-se, não deixa de ter uma avaliação subjetiva para avaliar se o candidato pode continuar concorrendo pelas cotas para concurso público.

 

Desse modo, parece que o mais justo com os candidatos cotistas, inclusive preservando a dignidade para evitar constrangimentos, o ideal seria que o processo de verificação de autenticidade da declaração – seja ele feito pela banca avaliadora, ou não – privilegie registros documentais capazes de confirmar a afirmação do candidato.

 

Nesse aspecto, fotografias, documentos públicos como certidão de nascimento, cadastros de identificação civil  dos candidatos e dos seus genitores, históricos de benefícios de cotas por outras instituições, seriam documentos indispensáveis para a avaliação da veracidade da declaração pelas bancas de concurso.

 

Nesse sentido, veja o seguinte precedente:

 

ADMINISTRATIVO. COTAS RACIAIS. CONCURSO PÚBLICO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

Caso em que a requerente submeteu-se, recentemente, a outro concurso público junto à mesma empresa, em que foi enquadrada como candidata parda ou negra. Irrazoável que agora, em idêntica instituição para o concurso no cargo de enfermeira, não se mantenha o mesmo enquadramento, sob pena de afronta à segurança jurídica da autora.

– Majoração da verba honorária para 10% do valor da causa, nos moldes do art. 85, § 3º, I, do NCPC, nos mesmos termos adotados por esta Turma em casos análogos. (TRF4, AC 50047225220154047102 RS 5004722- 2.2015.404.7102, TERCEIRA TURMA, DJ 07/06/2016 Relator Des. RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA)

 

Recentemente, também o TRF1 decidiu sobre o mesmo tema, ressaltando a importância de se levar em conta o histórico do candidato para aferir o conteúdo de sua declaração para fins de concorrência como cotista no concurso público:

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) n. 1025241-61.2018.4.01.0000

D E C I S Ã O

Cuida-se de agravo de instrumento interposto por Rafael Santos Reis de decisão que, nos autos de ação processada sob o rito comum, indeferiu o pedido liminar para que fosse determinado o seu imediato retorno à lista de cotas para negros e pardos, de acordo com a sua classificação original no certame em questão, relativo ao cargo de Analista Judiciário, Área de Apoio Especializado, Especialidade Informática.

A parte agravante alega que foi indevidamente excluída da lista de cotas de pardos e negros, na qual havia obtido a sétima colocação.

Afirma que, “conforme se comprovam de todos os documentos anexados à inicial, o Agravante jamais poderia ser excluído da listagem especial, visto que é i) reconhecido como pardo, inclusive nos registros públicos policiais, além de ii) ter sido aluno cuja formação em Universidade Federal se deu por meio de vaga destinada a cotistas e iii) possuir em sua ascendência genética de pessoas atestadamente negras” (fl. 06).

Aduz que os argumentos apresentados não foram considerados pela banca examinadora ou pelo prolator da decisão agravada.

Alega que o pleito liminar é tão somente para que possa permanecer participando do concurso público dentro das vagas reservadas a negros e pardos, situação que não causa qualquer embaraço do concurso, ou pode ser caracterizada como irreversível, uma vez que seria recolocado em posição de cadastro de reserva.

Pede, assim, a concessão da tutela de urgência.

Decido.

Com razão a parte agravante.

Na hipótese dos autos, os documentos existentes no agravo de instrumento apontam no sentido de que o agravante é, ou pelo menos deveria ser considerado, como apto a figurar dentro da lista de candidatos cotistas.

Tal conclusão não se extrai de qualquer análise fenotípica da parte, mas sim dos documentos públicos produzidos pela própria administração e que já atestaram em outras oportunidades, tal conclusão.

Relevante referir que o certame em questão é organizado pelo Cebraspe, a mesma instituição que reconheceu ser o agravante pessoa negra, para fins de ingresso na Universidade de Brasília (fl. 1.574), bem como (fls. 1.575-1.576) que as irmãs do agravante também são beneficiárias de cotas raciais, para fins de ingresso no curso de Medicina, perante a mesma instituição.

No caso, um mínimo de coerência deve ser observado pela administração. Vale dizer, não pode esta reconhecer ser o agravante (e suas irmãs!) negro para fins de ingresso na universidade e, anos depois, declarar que este não mais possui tal qualificação para fins de ingresso em concurso público.

A fumaça do bom direito, no caso, é densa ao ponto de ser palpável.

Por outro lado, a urgência se faz presente, dada a possibilidade de uma eventual convocação da parte agravante, dada a sua boa qualificação no concurso.

Ante o exposto, defiro o pedido liminar para que o candidato seja mantido dentro da lista própria dos candidatos cotistas, observada a sua colocação, para todos os fins de direito.

Comunique-se, com urgência.

Intime-se a parte contrária para apresentar resposta ao recurso.

 

Assim, nota-se que o Poder Judiciário tem se inclinado no sentido de que é muito importante considerar o histórico do candidato para verificação da sua autodeclaração para fins de concorrência como cotista no concurso público, não podendo, a banca do concurso, desconsiderar documentos públicos que comprovem o enquadramento do candidato como cotista.

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.

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