Uma dúvida muito comum dos candidatos de concurso público diz respeito sobre a flexibilização das causas incapacitantes para o exercício de determinados cargos públicos, como é o caso da Polícia Civil, Polícia Militar e Bombeiros. 

Quem acompanha as nossas publicações, sabe que todas as regras do edital do concurso público, quando não procedentes de Lei, devem ser encaradas com a flexibilidade necessária em respeito do princípio administrativo da razoabilidade, que deve estar enraizado em todo o ato administrativo praticado.

Justamente por observância a princípio da razoabilidade, os Tribunais do país, muitas vezes, tornam sem efeito determinadas cláusulas de edital, permitindo a participação do candidato ao cargo público, inclusive quando o controle judicial recai sobre as causas incapacitantes para o exercício do cargo.

Assim, em casos em que os candidatos possuam tatuagens, miopia ou problema de saúde que não interfira na execução das tarefas inerentes ao cargo em que concorrem, afasta-se a letra do edital, rigorosa, para dar lugar a flexibilidade em cada caso concreto.

Para ilustrar a discussão, trazemos um julgamento recente do TJDFT:

DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE CONHECIMENTO. CONCURSO PÚBLICO DE ADMISSÃO AO CURSO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS POLICIAIS MILITARES DA POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. EDITAL Nº 35, DE 17 DE NOVEMBRO DE 2016. CONTROLE DE LEGALIDADE PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. CANDIDATO ELIMINADO NA ETAPA DO EXAME MÉDICO. DOENÇA. ESPONDILÓLISE E ESPONDILOLISTESE. PERÍCIA JUDICIAL. LAUDO PERICIAL OFICIAL ATESTANDO A INEXISTÊNCIA DE CARÁTER INCAPACITANTE DA DOENÇA. CANDIDATO APTO. PROSSEGUIMENTO NAS DEMAIS ETAPAS. POSSIBILIDADE.  AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO INTERESSE PÚBLICO. APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.  1. As normas referentes à aplicação dos certames públicos devem estar em conformidade com os princípios da Administração Pública, de modo que a legalidade e a isonomia devem ser analisadas em conformidade com o interesse público primário, bem como abalizados pela razoabilidade e proporcionalidade, incidindo em distintos graus, ocorrendo verdadeira ponderação de princípios.  2. O Poder Judiciário possui legitimidade para analisar a legalidade dos atos administrativos, competência que abrange o controle da pretensão de juridicidade e dos limites da razoabilidade de seus parâmetros, configurando proteção a exclusões injustas e arbitrariedades, em consonância com os princípios da isonomia material, impessoalidade, moralidade e proporcionalidade. 3. Apesar de o apelante apresentar doença prevista no edital como condição incapacitante (espondilose e espondilolistese), observa o laudo pericial que a doença apresentada pelo candidato não o torna incapaz para as atividades inerentes ao cargo almejado, razão pela qual se revela desproporcional sua exclusão do certame por esse motivo. 3.1 Acrescente-se que o candidato não apresenta sintomas, bem como já integra os Quadros de Praça da Polícia Militar do Distrito Federal, na função de CBPMDF (Cabo) há cerca de 8 anos, exerce intensas atividades físicas no meio laboral, é atleta de vôlei e instrutor físico funcional, o que demonstra que inexiste qualquer comprometimento para o exercício do cargo público a que concorreu, por exigir aptidões semelhantes. 4. Apelação provida. Sentença reformada.
(TJDFT, Acórdão 1176870, 07130296020178070018, Relator: ALFEU MACHADO, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 5/6/2019, publicado no DJE: 12/6/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Assim, as regras do edital nem sempre são consideradas legais pelo Poder Judiciário, que, muitas vezes, ficam ao lado do candidato para afastar a arbitrariedade ou exagero das cláusulas do edital, restabelecendo o equilíbrio pela aplicação do princípio da razoabilidade.

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.

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