A reserva de vagas para candidatos cotistas negros deve ser observada em todas as fases do certame. Essa foi a conclusão do Juiz Federal da Bahia que determinou a correta aplicação da lei de cotas e, com isso, a correção de 273 redações de candidatos negros.

O CASO

Recentemente, ocorreu o concurso da Polícia Federal, realizado pela CEBRASPE.

A correção das provas discursivas dos candidatos estava condicionada à classificação obtida pela pontuação nas provas objetivas, criando-se uma cláusula de barreira. Em outras palavras, somente os candidatos aprovados até uma determinada posição participariam da fase seguinte.

Ocorre que a banca incluiu,  no cômputo das vagas reservadas para correção de provas discursivas de candidatos negros, os candidatos cotistas aprovados em ampla concorrência, em violação ao artigo 3º, § 1º, da Lei 12.990/2014.

Diante disso, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública, demonstrando que a banca estava prejudicando de forma direta aos candidatos cotistas negros.

A DECISÃO

Para o juiz federal que decidiu o caso, a lei proíbe que candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido pela ampla concorrência sejam computados para preenchimento das vagas reservadas.

O magistrado reforçou ainda a constitucionalidade da lei 12.990/2014 e, por isso, o sistema de reserva de vagas deveria ser observado tanto nas vagas previstas no edital, quanto nas vagas do cadastro reserva do certame.

Veja abaixo trechos da fundamentação utilizada na sentença:

 […]Com efeito, é inegável que o sistema de reserva de vagas com a aplicação de cotas raciais em concursos públicos, como expressão positiva de política constitucional afirmativa e inclusiva, reveste-se de plena legitimidade constitucional e objetiva efetivar o princípio da igualdade material entre as pessoas, por meio da distribuição equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente.

Contudo, cumpre notar que as rés estabeleceram uma cláusula de barreira, que elimina candidatos nas provas objetivas, ainda que os concorrentes obtenham nota suficiente nessa fase inicial do certame, em função de limite numérico de candidatos que terão suas provas discursivas corrigidas. Esses limites são os seguintes, observados os empates nas últimas colocações (fls. 20 do ID 685926480):

De todo modo, mesmo que se considere aplicável a cláusula de barreira, para limitar e condicionar a passagem para a fase seguinte do concurso a apenas alguns candidatos melhores classificados, e não a todos os candidatos aprovados na fase anterior, o que não se pode admitir, por evidente, é que essa cláusula de restrição do certame opere em desfavor da política de cotas que estabelece percentual mínimo de vagas reservadas a candidatos negros.

Com isso, entendo que a interpretação mais adequada da Lei 12.990/2014 e mais consentânea com os direitos fundamentais de inclusão e acessibilidade dos candidatos negros, existe que os candidatos negros aprovados nas provas objetivas, dentro do número de provas discursivas da ampla concorrência, não devem ser computados nas provas discursivas aos candidatos negros. […]

Processo número 1058451-92.2021.4.01.3300, Tribunal Regional Federal da 1ª região.

Portanto, para o Juiz Federal, os candidatos cotistas aprovados na ampla concorrência nas mais diversas fases do concurso não podem ser contabilizados na reserva de vagas para candidatos cotistas, dando uma interpretação mais extensiva ao dispositivo da lei.  

Além disso, na decisão, o Juiz determinou o respeito a esse entendimento em todos próximos concursos realizados pela banca, contudo, no intuito de preservar a segurança jurídica, a decisão não se aplicaria aos concursos já em andamento.

Para ler a íntegra da decisão, clique aqui.

Par saber mais sobre a reserva de vagas para candidatos cotista, acesse aqui.

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.

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