Muito embora o Poder Judiciário esteja cada vez mais ativo nas causas referentes ao direito do candidato, os entes da Administração Direta e Indireta do Estado parecem não se organizar para evitar ou ao menos minimizar desvios da esperada conduta na gestão dos concursos públicos.

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Com isso, inúmeros temas já pacificados permanecem ignorados pela Administração Pública que, prejudicando os direitos dos candidatos, geram cada vez mais demandas para o Poder Judiciário.

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Como exemplo, podemos citar as questões da terceirização.

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Já sabemos, pelos inúmeros julgados dos Tribunais, que a terceirização e o concurso público não convivem harmonicamente dentro da nossa atual ordem constitucional, que determina que o preenchimento dos cargos e empregos públicos deve ser realizada, obrigatoriamente, mediante concurso público.

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Todavia, nem por isso os entes da  Administração Direta e Indireta deixam de terceirizar os seus cargos.

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Não por outro motivo, inúmeras ações sobre o tema chegam ao judiciário, para que este reconheça o direito do candidato que, muito embora seja aprovado em concurso público, acaba não sendo nomeado para o cargo concorrido.

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Nesse sentido, veja um acórdão recentemente proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

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APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. APROVAÇÃO DE CANDIDATA EM 1º LUGAR NO CONCURSO PÚBLICO. DIREITO À NOMEAÇÃO E POSSE. OBSERVÂNCIA DO NUMERO DE VAGAS DO EDITAL. FLAGRANTES ILEGALIDADES. DEMONSTRAÇÃO. DESOBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, IMPESSOALIDADE, MORALIDADE, PUBLICIDADE, EFICIÊNCIA E INTERESSE PÚBLICO. NOMEAÇÃO DE “EMPREGADOS COMISSIONADOS” COM VÍNCULO PRECÁRIO COM O PODER PÚBLICO EM AFRONTA AOS TERMOS DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – TAC – FIRMADOS COM O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO E DECISÃO DO TST. EVIDENCIADA BURLA À REGRA CONSTITUCIONAL DO CONCURSO PÚBLICO. ART. 37, II, DA CF/88. PRETERIÇÃO. RECONHECIMENTO DE DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. REQUISITOS CONFIGURADOS. NECESSIDADE DE DECISÃO MERITÓRIA. “ERROR IN PROCEDENDO”. SENTENÇA CASSADA. REGRA DO ART. 515 §3º DO CPC. TEORIA DA CAUSA MADURA. NÍTIDA VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DESATENDIMENTO ÀS REGRAS DO EDITAL. AFRONTA À BOA-FÉ E AO PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. ORIENTAÇÃO DO STF. QUESTÃO DECIDIDA EM SEDE DE RECURSOS REPETITIVOS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 598.099 DA RELATORIA DO MINISTRO GILMAR MENDES. PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO. CONFERÊNCIA DE MAIOR FORÇA NORMATIVA E EFETIVIDADE. PRECEDENTES DAS CORTES SUPERIORES E TJDFT.

1.Configurada a ilegalidade por meio de prova pré-constituída, sem que haja necessidade de posterior dilação probatória, importa seja cassada a sentença combatida e, com fulcro na previsão do art. 515 §3º, do CPC, diante da causa madura para apreciação, à luz do acervo probatório apresentado, hábil para verificação do direito líquido e certo sustentado, adentrar ao exame meritório.

2.Para fins de mandado de segurança, o direito líquido e certo é aquele que apresenta extensão delimitada e pronto para ser exercido no momento da impetração, ou seja, deve ser passível de comprovação de plano.

3.Nos termos do entendimento jurisprudencial sufragado pelos Tribunais Superiores, a Administração não pode ignorar a existência de candidato aprovado em concurso público, preterindo seu direito à justa nomeação dentro do número de vagas previsto edital, a fim de dar posse à pessoa diversa, com vínculo precário e temporário perante o poder público, para execução das mesmas atividades – atribuições, pautando-se em relações pessoais e políticas em detrimento do comando constitucional – art. 37, II, da CF/88 e Termos de Ajustamento de Conduta – TAC.

4.O que marca e confere simbolismo ao julgamento do RE nº 598.099/STF é o abandono do antigo posicionamento no sentido de que a aprovação em concurso público não gerava, em princípio, direito à nomeação, constituindo-se em mera expectativa de direito. A viragem jurisprudencial consiste no reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado dentro do número de vagas especificadas no edital. O dever da Administração e, em consequência, o direito dos aprovados, não se estende a todas as vagas existentes, nem sequer àquelas surgidas posteriormente, mas apenas àquelas expressamente previstas no edital de concurso.

5. Se a Administração Pública pratica ato que, claramente, evidencie a necessidade de servidores em determinadas áreas de atuação, este ato obriga o Poder Público ao preenchimento do total de postos anunciados, pois “o comportamento da Administração Pública no decorrer do concurso público deve se pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos” (Recurso Extraordinário nº 598.099).

6. A dinâmica dos fatos narrada e comprovada pelos documentos que instruem o instrumento recursal causa espécie a este Desembargador diante da flagrante abusividade da conduta adotada pela apelada de ignorar a existência de candidata aprovada em concurso público, preterindo seu direito à justa nomeação dentro do número de vagas previsto edital, a fim de manter em seus quadros situação inconstitucional de “empregados em comissão” não criados por lei específica, com vínculo precário e temporário perante o poder público, descumprindo Termos de Ajustamento de Conduta (Nº 107/2004 e Nº 31/2008) e decisão do Tribunal Superior do Trabalho.

7. Apelação provida. Sentença cassada. Causa madura. Regra do art. 515 §3º, do CPC. Concedida a segurança.

(Acórdão n.752690, 20130111307889APC, Relator: ALFEU MACHADO, 1ª Turma Cível, Data de Julgamento: 22/01/2014, Publicado no DJE: 30/01/2014. Pág.: 67)

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Veja que, sendo comprovada a ocorrência de terceirização para o cargo ao qual o candidato interessado concorreu e foi aprovado, durante o período de validade do certame e, havendo cargo vago, justifica-se a intervenção do Judiciário, para determinar a nomeação do candidato, verdadeiramente preparado para o exercício do cargo público.

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Para aqueles candidatos que estão nessa situação e não sabem como comprovar a terceirização, não é demais lembrar que, com a Lei de Acesso à Informação, todo ente público deve responder às solicitações feitas pelo sistema chamado “Serviço de Informação ao Cidadão”, disponível no próprio sítio do ente.

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Por: Kauê Machado, advogado, especialista em concurso público

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.

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