Teste físico muito rigoroso pode ser considerado ilegal? A pergunta que o #FocoNosConcursos se propõe a responder foi escolhida porque, sem dúvida, já passou inúmeras vezes pela cabeça de muitos candidatos que são submetidos ao temido teste físico nos concursos, tais como as da polícia civil, polícia militar, corpo de bombeiros, forças armadas, etc.

Como já afirmamos diversas vezes, a Administração Pública, de acordo com o seu poder discricionário, pode estabelecer os critérios de avaliação do candidato, incluindo os requisitos de aprovação do teste físico, desde que os parâmetros adotados sejam compatíveis com a natureza e complexidade do cargo a ser ocupado pelo candidato.

Dessa forma, muito embora seja possível visualizar uma correlação entre o teste físico das carreiras militares e policiais, ainda assim, os critérios utilizados pela banca do concurso precisam ser aplicados e avaliados dentro de parâmetros razoáveis e proporcionais.

.Com essa breve introdução, já é possível perceber que a resposta, caros leitores, não é nada simples e vai depender de cada caso concreto.

Ora, se a jurisprudência entende que os critérios utilizados pelas bancas dos concursos públicos precisam ser razoáveis e proporcionais ao cargo que se pretende ocupar, uma série de fatores poderá interferir na decisão definitiva dos magistrados.

 Então, vejamos alguns exemplos:

Seria razoável exigir de um candidato ao cargo de delegado o mesmo preparo físico de um maratonista?

A matéria foi submetida ao Tribunal de Justiça do Maranhão[1], que entendeu pelo excesso de rigor físico exigido na prova de delegado, revertendo a exclusão do candidato, conforme assim se verifica:

CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO SELETIVO. CURSO DE APERFEIÇOAMENTO DE SARGENTO DA PMMA-CAS. TESTE DE AVALIAÇÃO FÍSICA. PROVA DE CORRIDA. NORMA A SER APLICADA PARA REGER O CERTAME. RIGOR EXCESSIVO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.

 I – Estando a Diretriz 001/95 do Boletim Geral nº 165, que disciplina os teste de corrida, revogada pelo art. 4º da portaria nº 739 de 16/09/97, deve-se aplicar as normas do Exército Brasileiro quando a matéria não estiver regulamentada por legislação estadual, conforme prevê a Lei nº 6.513/95. Assim, deve-se considerar válida a distância de 2.000m na prova de corrida, para os candidatos com idade de 32 anos, conforme a portaria do exército.

 II – O princípio da proporcionalidade recomenda que a Administração Pública utilize critérios razoáveis ao praticar determinado ato administrativo, sob pena de não se atingir o objetivo maior, que é o atendimento do interesse público.

III – Não se afigura razoável exigir de candidatos ao preenchimento de cargos de Delegado de Polícia uma exímia preparação física dentro dos moldes da prova de atletismo, atendendo aos rigores técnicos desta modalidade esportiva.

IV – Remessa improvida.

 Do mesmo modo, seria considerado razoável excluir o candidato que, submetido a uma prova com cronômetro manual, foi reprovado por alguns centésimos de segundos?

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região[2] entendeu que a exclusão do candidato, nesses moldes, representaria em excesso de rigor à prova física aplicada, principalmente quando  há imprecisão na marcação do resultado:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PAPILOSCOPISTA DA POLÍCIA FEDERAL. TESTE FÍSICO (NATAÇÃO). CRONÔMETRO MANUAL. IMPRECISÃO. REPROVAÇÃO POR CENTÉSIMOS DE SEGUNDO. RIGOR NA AVALIAÇÃO. ATENUAÇÃO. APELAÇÕES IMPROVIDAS. 1. Apelações desafiadas pela União e pela Fundação Universidade de Brasília – FUB/UNB, em face da sentença que julgou procedente o pedido formulado por Álvaro de Assis Ximenes, para determinar a anulação do ato que o desclassificou na avaliação física (teste de natação) do Concurso Público para o provimento do cargo de Papiloscopista Policial Federal, garantindo-lhe o direito de participar do curso de formação e, casso fosse aprovado, fosse nomeado e empossado no cargo pleiteado. 2. O Autor, após aprovação nas provas objetivas e discursivas do referido concurso, foi convocado para o exame de aptidão física e logrou êxito nas provas de barra fixa, impulsão horizontal e corrida, porém excedeu em 0”38 (trinta e oito centésimos de segundo) o tempo máximo estipulado para a prova de natação (41”00 – quarenta e um segundos), sendo, dessa forma, eliminado do certame. 3. O rigorismo na marcação de tempo em avaliação física de prova de natação, em concurso público para provimento de cargo de papiloscopista policial federal, deve ser atenuado quando demonstrada a evidente imprecisão do teste captado através de cronômetro manual e a desproporcionalidade da desclassificação, em face de ter sido o limite supostamente ultrapassado em apenas 38 centésimos de segundo. 4. Apelações improvidas.

E, ainda, seria razoável exigir de um escrivão da polícia o mesmo preparo físico de soldados/agentes da mesma instituição?

A mais alta Corte do país, o Supremo Tribunal Federal, há alguns anos atrás, entendeu inconstitucional o teste físico aplicado aos candidatos ao cargo de escrivão da polícia, tendo em vista ser um cargo cuja natureza seria estritamente burocrática:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇAO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA ESCRIVAO DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO PARANÁ (EDITAL Nº 001/2009). REQUISITOS PARA A ANTECIPAÇAO DOS EFEITOS DA TUTELA PRESENTES. EXEGESE DO ARTIGO 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PROVA DE APTIDAO FÍSICA INCOMPATÍVEL COM O CARGO, CUJAS ATIVIDADES SÃO DE NATUREZA EMINENTEMENTE BUROCRÁTICAS.
OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTE DESTA E. CORTE E DO E. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL `(…) No âmbito da polícia, ao contrário do que ocorre com o agente em si, não se tem como constitucional a exigência de prova física para a habilitação ao cargo de escrivão, cuja natureza é estritamente escriturária, muito embora de nível elevado.’ (STF, AgR/MG 511588, Relator Ministro MARÇO AURÉLIO, DJe 08/06/11).

Em contrapartida, para os cargos que não exigem esforço físico – como é o caso dos oficiais dos quadros militares da saúde – entende-se que o teste físico para a aprovação do candidato não é essencial para o desempenho das funções inerentes ao cargo e, por isso, não deveriam ser aplicados com tanto rigor quanto para os demais cargos que precisem de vigor físico.

Sendo assim, candidatos, é possível pleitear a anulação da prova física aplicada com excesso de rigor. Todavia, essa possibilidade dependerá de cada caso concreto, sendo importante a existência de provas contundentes nesse sentido.

Para saber mais sobre testes físicos para concurso público, clique aqui.

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[1] TJ-MA – REMESSA: 172602002 MA , Relator: JORGE RACHID MUBÁRACK MALUF, Data de Julgamento: 22/11/2005, SAO LUIS;

[2] TRF-5 – AC: 41481720124058000  , Data de Julgamento: 16/05/2013, Terceira Turma

 

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.

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