Ao apresentar sua pergunta ao blog, um de nossos leitores nos pediu que comentássemos um precedente do Supremo Tribunal Federal que merece maior reflexão, por ter impacto direto sobre inúmeros candidatos a determinados cargos públicos. Trata-se de decisão que discute o limite de idade imposto por diversos editais para o provimento de cargos de policial militar e bombeiro militar.

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            No caso enviado à análise do blog[1], O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás julgou procedente mandado de segurança de candidato que, no momento da inscrição no concurso para soldado da Polícia Militar, possuía 33 anos de idade, sendo de 30 anos a idade máxima estabelecida pelo respectivo edital. Neste julgado, embora o TJGO tenha reconhecido a existência de previsão legal para o limite de idade, considerou que, tendo o candidato sido aprovado em todas as provas escritas e físicas realizadas, assim como nos exames médicos, não seria razoável excluí-lo do concurso por ter idade pouco superior ao limite estabelecido.

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            Para chegar à decisão tomada, o TJGO observou que os artigos 7º, inciso XXX, 31, inciso I, e 39, § 3º, todos da Constituição Federal, vedam a limitação de idade nos editais de concursos públicos, salvo quando a natureza do cargo público pretendido justifica essa limitação. Simultaneamente, o tribunal invocou os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que devem orientar todos os atos da Administração Pública, chegando à conclusão de que, naquele caso específico, não se poderia excluir o candidato do certame.

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            Contra o acórdão do TJGO, o Estado de Goiás apresentou recurso extraordinário, levando a discussão ao STF. Neste tribunal, a Ministra Cármen Lúcia, em maio de 2013, proferiu decisão[2] que, sem entrar no mérito do processo, anulou o acórdão da corte estadual e determinou que o processo retornasse ao TJGO para novo julgamento. Isso porque, conforme entendeu a ministra, a decisão tomada pela 2ª Turma Julgadora da 5ª Câmara Cível do TJGO utilizou fundamentos constitucionais para afastar a aplicação de lei (que instituía o limite de idade), o que equivaleria a uma declaração implícita de inconstitucionalidade, a qual somente poderia ter sido feita pelo plenário ou pelo órgão especial do TJGO.[3]

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            Dessa maneira, embora tenha dado provimento ao recurso apresentado pelo Estado de Goiás e determinado o retono do processo ao TJGO para novo julgamento, o STF não se manifestou a respeito do mérito do caso, ou seja, a respeito da possibilidade do candidato com idade superior àquela permitida no edital permanecer no concurso.

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            Isso não significa, contudo, que o STF ainda não tenha examinado essa questão. Ao contrário, nossa Suprema Corte não apenas já se manifestou sobre esse ponto, mas, inclusive, já tem uma súmula que aborda o assunto. Veja-se o que determina a Súmula nº 683 do STF:

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Súmula 683 – O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.

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            Ao fixar o entendimento contido na súmula acima, o STF pacificou que a única hipótese que justifica a limitação de idade para a inscrição em concurso público é a de que o cargo objeto do concurso, pela natureza de suas atribuições, justifique a seleção de candidatos de determinada faixa etária.

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            É importante frisar, ainda, que a limitação de idade não pode ser simplesmente criada pelo edital do concurso, mas, necessariamente, deve constar em lei. Nesse sentido, aliás, já se firmou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se observa no precedente abaixo:

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ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA. EDITAL. EXIGÊNCIA DE LIMITE DE IDADE. POSSIBILIDADE. ELIMINAÇÃO DE CANDIDATO QUE, NO DECORRER DO CONCURSO, COMPLETOU IDADE SUPERIOR À EXIGIDA NO EDITAL PARA A INSCRIÇÃO. PREVISÃO LEGAL. NÃO CUMPRIMENTO DO REQUISITO. DECADÊNCIA DO MANDAMUS. NÃO OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. MOMENTO EM QUE O ATO COATOR SE TORNA EFICAZ.

[…]

2. “É firme no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que é possível a definição de limite máximo e mínimo de idade, sexo e altura para o ingresso na carreira militar, levando-se em conta as peculiaridades da atividade exercida, desde que haja lei específica que imponha tais limitações.” (RMS 32.733/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24/05/2011, DJe 30/05/2011).

3. Sobre a aferição da exigência de requisito de idade mínima para o ingresso em cargo público mediante concurso, a jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de que a idade deve ser aferida no momento da posse, por ser tal requisito relativo à atuação da função, e não na ocasião da inscrição para o provimento do cargo.

Precedentes.

Agravo regimental improvido.

(AgRg nos EDcl no REsp 1274587/BA, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/12/2011, DJe 19/12/2011)

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            Como se vê, também no âmbito do STJ é firme o entendimento de que não se pode simplesmente criar, no edital, uma limitação de idade para determinado concurso. Tal limitação deve constar em lei, bem como ser compatível com a natureza das atividades inerentes ao cargo.

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            Outro ponto chave é o de que os requisitos acima – da existência de previsão legal para o limite de idade e da compatibilidade desse limite com a natureza das atribuições do cargo – devem ser interpretados sob a perspectiva dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, ambos previstos na Constituição Federal.

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            Foi por essa ótica que o TJGO, ao tomar a decisão que analisamos no início do artigo, decidiu que o candidato atendia plenamente às exigências do cargo que pretendia ocupar e, por isso, não poderia ser desclassificado do concurso.

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            Embora sejam mais raras as decisões que utilizam os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para reconhecer o direito dos candidatos à participação em determinados concursos, tais decisões ainda são tomadas por diversos tribunais, o que mantém plenamente viva a possibilidade de ingresso desses candidatos, caso estejam atendidas as demais exigências do edital.

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 Por Kauê Machado

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[1] Mandado de Segurança nº 201092777911, 5 Câmara Cível do TJGO, Relator o Desembargador Gerldo Gonçalves da Costa, julgado em 14.4.2001).

[2] ARE 710028, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, publicado em 24.05.2013.

[3] Conforme estabelecem o artigo 97, da Constituição Federal (reserva de plenário), e a Súmula Vinculante nº 10, do STF.

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.