Para quem está envolvido no mundo dos concursos públicos, seja trabalhando para os candidatos, seja na pele de um deles, sabe que não é raro ouvir reclamações sobre as questões das provas aplicadas que acabam extrapolando o que foi disposto no conteúdo programático do edital.

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Ora, que o edital é a lei do concurso, nós já sabemos. Mas será que a previsão genérica de conteúdo programático no edital permite que a banca do concurso exija temas específicos na prova?

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Para o desespero dos candidatos, a resposta é: depende.

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O tema ora em análise já foi apreciado pelo Superior Tribunal Federal, quando os Ministros decidiram o MS 30.860/DF. No julgamento, que não foi unânime, os julgadores afirmaram a possibilidade de o Poder Judiciário analisar as divergências entre as questões de provas e o conteúdo do edital. Mas, além disso, a maioria concluiu que “havendo previsão de um determinado tema, cumpre ao candidato estudar e procurar conhecer, de forma global, todos os elementos que possam eventualmente ser exigidos nas provas, o que decerto envolverá o conhecimento dos atos normativos e casos julgados paradigmáticos que sejam pertinentes, mas a isto não se resumirá. Portanto, não é necessária a previsão exaustiva, no edital, das normas e dos casos julgados que poderão ser referidos nas questões do certame”.

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Apesar de o precedente acima destacado estar longe de representar uma unanimidade na Corte Suprema, o fato é que os julgadores, em sua maioria, entenderam de forma positiva para as bancas dos concursos públicos que, apesar de disporem sobre temas genéricos no edital, estão autorizadas a exigirem, dos candidatos, um conhecimento específico não previsto expressamente no conteúdo programático referente ao cargo concorrido.

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Para melhor entendimento, veja o seguinte acórdão, que trata muito bem sobre o tema[1]:

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ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TÉCNICO LEGISLATIVO DO SENADO FEDERAL. POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA LEGALIDADE DO CERTAME. COBRANÇA DE CONTEÚDO PREVISTO EXPRESSAMENTE NO EDITAL. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. VINCULAÇÃO.

 1. A sentença julga improcedente o pedido, afastando a anulação de questão da prova objetiva do concurso público para provimento de cargos de técnico legislativo do Senado Federal, sob o fundamento de exigência de conteúdo não previsto no edital.

2. “Nas demandas que discutem concurso público, a atuação do Poder Judiciário limita-se ao exame da legalidade do certame, vedada a apreciação dos critérios utilizados pela banca examinadora para formulação de questões e atribuição das notas aos candidatos, sob pena de indevida incursão no mérito administrativo” (STJ, RMS 27.954/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 19/10/2009).

3. Erros materiais e objetivos podem ser revistos pelo Poder Judiciário para que prevaleça o principio da legalidade. O princípio da moralidade impõe obediência às regras insculpidas no instrumento convocatório pela Administração Pública. As normas editalícias vinculam tanto o candidato quanto a Administração.

4. O edital vincula tanto o candidato quanto a Administração. Nota-se, sem necessidade de muito esforço, que estaria a questão englobada no item “Correio Eletrônico (mensagens, anexação de arquivos, cópias)” do conteúdo programático.

5. Apelação improvida.

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Todavia, é importante destacar que esse entendimento não é aplicável para os temas que são regidos por legislações específicas. Isso porque, existem entendimentos específicos do Poder Judiciário para afirmar que, nesses casos, há uma clássica violação ao edital, não se afigurando razoável a ausência de menção expressa ao diploma legal específico, sob pena de ser possibilitado que quaisquer temas passe a ser exigidos dos candidatos, que acabariam surpreendidos no momento da prova.

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 Para facilitar o entendimento, veja o caso abaixo, que retrata com exatidão a situação específica destacada[2]:

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ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCURSO PÚBLICO. POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA LEGALIDADE DO CERTAME. COBRANÇA DE CONTEÚDO NÃO PREVISTO EXPRESSAMENTE NO EDITAL. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. VINCULAÇÃO AO EDITAL.

 1. Ação civil pública objetivando a anulação parcial de questão de prova do concurso público para provimento de cargos de Procurador Federal, contemplando-se todos os candidatos com a pontuação do quesito impugnado ao argumento de que a prova aplicada exigiu conhecimentos além do expressamente delimitado pelo edital.

 2. “Nas demandas que discutem concurso público, a atuação do Poder Judiciário limita-se ao exame da legalidade do certame, vedada a apreciação dos critérios utilizados pela banca examinadora para formulação de questões e atribuição das notas aos candidatos, sob pena de indevida incursão no mérito administrativo” (STJ, RMS 27.954/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 19/10/2009).

3. Erros materiais e objetivos podem ser revistos pelo Poder Judiciário para que prevaleça o principio da legalidade.

 4. O princípio da moralidade impõe obediência às regras insculpidas no instrumento convocatório pela Administração Pública. As normas editalícias vinculam tanto o candidato quanto a Administração.

5. O edital não cobrou expressamente a Lei Complementar nº 101/2000, embora tenha sido formulada questão cuja resolução não seria viável sem o conhecimento do referido diploma. Não é possível a exigência de temas que não tenham constado no conteúdo programático. Entender que a questão esteja inserida no ponto “finanças públicas na Constituição” permitiria que quaisquer temas pudessem ser cobrados ao alvedrio do examinador, de forma oblíqua, transversa, em detrimento do candidato.

6. As rés incorreram em ilegalidade quando exigiram conteúdo programático não expressamente previsto no edital.

 7. Apelação provida.

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Veja, então, que pela jurisprudência atual, para verificar se houve, ou não, ilegalidade cometida pela banca executora do certame, é necessário que o candidato avalie, de forma objetiva, se o conteúdo exigido na prova estava abarcado em algum tema genérico disposto no edital. Se a resposta for negativa ou se o tema vier regido por uma legislação específica não prevista expressamente no instrumento convocatório, o candidato que se sentir prejudicado poderá recorrer à via judiciária, pleiteando a anulação da questão e atribuição do ponto à sua nota final.

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Para nós, ambos os entendimentos jurisprudenciais sobre o tema estão corretos, pois, somente dessa forma, é que a banca do concurso e o candidato encontrarão um ponto de equilíbrio entre os seus interesses, garantindo à Administração o seu poder discricionário para elaborar o edital e as questões de prova e, ao candidato, a proteção ao excesso da liberdade administrativa, evitando-se verdadeiras arbitrariedades com a violação do edital do concurso.

Por: Thaisi Jorge, advogada, especialista em concurso público
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[1] TRF1, AC 0039894-22.2008.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL ALEXANDRE JORGE FONTES LARANJEIRA (EM SUBSTITUIÇÃO), QUINTA TURMA, e-DJF1 p.2170 de 02/09/2011

[2] TRF1, AC 0020643-61.2007.4.01.3300 / BA, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.206 de 24/05/2011

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.

2 Comments

  • Wagner disse:

    Boa noite, Dra.
    Caso uma banca examinadora cobre uma questão de jurisprudência, porém o edital não prevê a exigência em seu conteúdo programático, seria possível pleitear a anulação dessa questão? Cabe ressaltar que em outra matéria a banca examinadora previu expressamente o assunto jurisprudência.
    Grato.

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