Atualmente, o judiciário entende que o deficiente auditivo unilateral tem direito a concorrer às vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais, enquanto as bancas dos concursos públicos entendem que não.

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Na esfera administrativa, as bancas dos concursos públicos, em sua maioria, quando submetem os candidatos à perícia médica das suas equipes multiprofissionais, entendem que a deficiência unilateral não enseja a proteção da reserva de vaga. Com isso, o candidato portador de surdez unilateral é retirado da lista especial, para participar, somente, da lista geral.

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Essa interpretação, mais conservadora, é decorrente da aplicação literal e isolada dos artigos que definem e regulam as hipóteses ensejadoras do benefício de concorrência às vagas reservadas aos portadores de necessidades especiais, reguladas pelo Decreto nº 3.298/99, especialmente do artigo 4º, inciso II, que dispõe que a deficiência auditiva é “a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz”.

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Por constar a expressão “perda bilateral” no artigo que regula a deficiência auditiva, as bancas executoras dos concursos públicos excluem os candidatos do rol dos portadores de necessidades especiais nas hipóteses em que seja constatada a perda auditiva unilateral, ainda que maior do que a média (41 dB).

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Evidentemente, tal situação causa grande angústia aos candidatos portadores de perda auditiva unilateral, que se veem arrastados para a classificação destinada às vagas de ampla concorrência o que, muitas vezes, significa a exclusão do certame público, por não ser alcançado o mínimo de pontuação para lograr na lista geral de aprovados. Assim, a alternativa buscada pelos deficientes auditivos unilaterais é recorrer ao judiciário.

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No judiciário, a maioria das decisões segue a linha da aplicação integrativa da lei, garantindo a proteção e o benefício de concorrer às vagas reservadas aos portadores de necessidades especiais também para aqueles candidatos que apresentam perda auditiva unilateral, parcial ou total, igual ou acima da média legalmente instituída (41 dB). Nesse sentido, a seguinte decisão do STJ: AgRg no RMS 34.436/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em  3/05/2012, DJe 22/05/2012.

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Alguns juízes de primeiro grau já julgaram no sentido da exclusão dos portadores de surdez unilateral da lista especial (por exemplo, JFDF, Processo nº 378014720124013400, 8ª Vara Federal), entretanto, essas decisões configuram uma minoria e tendem a ser revertidas em sede de recurso.

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A leitura mais flexível da norma que regula a matéria é decorrente de uma visão ampla e integrativa dos artigos do Decreto 3.298/99, dando-lhes um enfoque constitucional, eis que o tema se enquadra dentro das políticas públicas de proteção aos portadores de necessidades especiais.

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Nesse contexto, entende-se que o artigo 4º, inciso II do Decreto 3.298, que define qual a deficiência auditiva passível de proteção, deve ser analisado em conjunto com o artigo 3º, inciso I da mesma norma, que determina, genericamente, o termo deficiência como “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”.

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Aplicando conjuntamente os artigos acima mencionados e, dando-lhes uma interpretação constitucional, que institui a proteção aos cidadãos portadores de necessidades especiais, os tribunais reconhecem o direito do deficiente auditivo unilateral de concorrer às vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais.

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Por: Leandro Gobbo

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.

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