Geralmente, os editais dos concursos que abrangem a fase de inspeção médica exigem, dos candidatos, a realização de exames clínicos, oftalmológico, odontológicos, toxicológicos, biométricos. Aliado a isso, via de regra, há, no edital, um extenso rol de doenças que, uma vez detectadas nos exames médicos, são consideradas como incapacitantes para o exercício do cargo.

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Ocorre que, muito embora a inspeção médica tenha como finalidade averiguar a aptidão física e mental do candidato para o exercício do cargo, não raras as vezes, o rol das doenças e/ou condições incapacitantes listadas pelo edital não guardam pertinência com o cargo a ser exercido e podem ser traduzidas em verdadeiras demonstrações de arbitrariedade  e de discriminação da Administração Pública.

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É o caso, por exemplo, dos editais que consideram o candidato inapto para o cargo devido à existência de espinhas na pele, à ausência de quantidade mínima de dentes, à existência de cáries, ao não preenchimento de um determinado IMC, peso ou altura e, até mesmo, à comprovação doenças infecto-contagiosas[1].

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Abaixo, destaco uma decisão recente para ilustrar o assunto ora tratado[2]:

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ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MILITAR TEMPORÁRIO. INSPEÇÃO DE SAÚDE. SOBREPESO. REPROVAÇÃO. PRINCÍPIOS DA VINCULAÇÃO E DA ISONOMIA. 1. A sentença apelada, e remetida ao Tribunal para reexame necessário, concedeu ordem para anular ato administrativo que excluiu candidata com sobrepeso, do concurso para profissionais de pedagogia, voluntários à prestação do serviço militar temporário. 2. A teleologia da norma interna da Aeronáutica, a que se reporta o edital do concurso, é exigir que candidatos apresentem boas condições de saúde para teste de condicionamento físico e para as demais atividades físicas da prática militar, inerentes ao ambiente em que se insere o serviço de pedagogia, pretendido pela impetrante, reprovada em Inspeção de Saúde (INSPSAU) por apresentar Índice de Massa Corpórea (IMC) 28,6. 3. Ao ensejo do concurso, o razoável seria o edital aludir diretamente a tal restrição, pelo que, sem publicidade dessa especificidade, não se pode ter a norma interna como vinculativa e obrigatória para os candidatos obesos inscritos no certame. Dizer que deveriam submeter-se a exame de saúde não basta para afastá-los. O STF já decidiu que a única doença que pode ser reconhecida como tal, na atestação do requisito, é a obesidade mórbida, porque o fato de ser o indivíduo gordo ou menos gordo, magro ou menos magro, não atesta por si só a incapacidade de ser aprovado nos respectivos testes físicos, que, no caso, são o bastante a estabelecer a sanidade do candidato. Precedentes. 4. No caso, a impetrante apresentou laudo de endocrinologista, testificando encontrar-se sob “tratamento de emagrecimento pós gestação”, e comprovou que entre o teste ergométrico (27/09/2011), e aquele atestado (11/11/2011), perdera 5 kg. De par com isso, força da liminar foi incorporada e, em 06/03/2012, já se encontrava matriculada no Estágio de Adaptação, iniciado com Instrução Prática Militar, por 50 (cinquenta) dias corridos, findo os quais o condicionamento físico do candidato é testado. Em face do tempo decorrido, tudo indica tenha superado as dificuldades antevistas e, nessa altura, seria um contrasenso afirmar-se que o sobrepeso constitui óbice real à sua aprovação no concurso. 5. Apelo e remessa necessária providos.

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Por fim, candidatos, destaco que, até o momento, não existe nenhuma lei que regularize os procedimentos de seleção de candidatos em concurso público. Ou seja, a Administração não está impedida de exigir nenhum dos exames acima listados como exemplo, sendo certo que, uma vez listados no edital, somente passarão a ser inexigíveis se houver uma ação judicial por parte do candidato interessado.

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Por: Kauê Machado
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[1] TJ-PE – APL: 976716020098170001 PE 0097671-60.2009.8.17.0001, Relator: Francisco José dos Anjos Bandeira de Mello, Data de Julgamento: 24/05/2012, 2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 103;

 

TRF-5 – APELREEX: 7941 PE 0007215-65.2009.4.05.8300, Relator: Desembargador Federal Leonardo Resende Martins (Substituto), Data de Julgamento: 16/03/2010, Quarta Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça Eletrônico – Data: 25/03/2010 – Página: 510 – Ano: 2010;

 

TJ-MS – MS: 17091 MS 2008.017091-6, Relator: Des. Atapoã da Costa Feliz, Data de Julgamento: 15/09/2008, 3ª Seção Cível, Data de Publicação: 01/10/2008;

 

TJ-PE – REEX: 1161786920098170001 PE 0116178-69.2009.8.17.0001, Relator: Francisco José dos Anjos Bandeira de Mello, Data de Julgamento: 22/03/2012, 8ª Câmara Cível, Data de Publicação: 60.

 

[2] TRF-2 – REEX: 201151010178371  , Relator: Desembargadora Federal NIZETE LOBATO CARMO, Data de Julgamento: 08/10/2012, SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 18/10/2012.

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.

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