Em regra, não cabe ao Poder Judiciário intervir nos critérios estabelecidos pela Administração para seleção de candidatos para ocupação de cargo público.

Isso ocorre porque,  conforme previsto na Constituição Federal, a função de organização de pessoas, a qual inclui os meios de seleção e ingresso nos órgãos públicos, é de competência do Executivo. Logo, em atenção ao princípio de separação dos poderes, o Judiciário só deve intervir quando há expressa ilegalidade de ato administrativo. 

Em análise dos julgados referentes a este tema, o Judiciário, limitado à verificação de legalidade, entende que a Administração Pública tem o dever de atuar de maneira razoável e proporcional, para evitar que ultrapasse a finalidade da lei.

Assim, seguir de forma imoderada a determinação do edital beira à ilegalidade, devendo ser analisado o que ocorreu em cada caso. É o caso, por exemplo, de entrega incompleta de documentos exigidos nas fases de concurso público.

O TJDFT, nestes casos em que o candidato que realizou entrega de forma incompleta os documentos de exames médicos exigidos pelo edital do concurso público e é desclassificado, tem o seguinte entendimento:  

PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CURSO DE FORMAÇÃO DE PRAÇAS DA POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. ELIMINAÇÃO. EXAME MÉDICO FALTANTE. COAGULAGRAMA. FATO DE TERCEIRO. CULPA DO LABORATÓRIO. COMPLEMENTAÇÃO NO PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. PORTADORA DE ANOMALIA CONGÊNITA. MEGA APÓFISE. CONDIÇÃO INCAPACITANTE NÃO CONFIGURADA. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. ILEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. REEXAME NECESSÁRIO IMPROVIDO.
1. Ação declaratória de nulidade de ato administrativo, com pedido de antecipação de tutela, na qual foi declarada a nulidade do ato administrativo, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
2. Ao Poder Judiciário não cabe imiscuir-se nos critérios estabelecidos pela Administração para a seleção dos melhores candidatos para o provimento dos cargos. 2.1. A análise do magistrado deve restringir-se a eventual ilegalidade.2.2.Assim, a Administração Pública tem o dever de atuar de modo razoável e proporcional, pena de ultrapassar a finalidade da lei. 2.3.O cerne da demanda consiste na verificação da legalidade da exclusão da autora do certame para ingresso no Curso de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal, em razão de suposta entrega incompleta de exames médicos/laboratoriais que comprovam a sua aptidão para o exercício do cargo e em virtude de condição incapacitante conforme edital de abertura.
3. Está expressamente previsto nos itens 13.7 e 13.9 do edital do certame, instrumento que vinculou não só a Administração, mas também todos os candidatos, a eliminação sumária do candidato, quando deixe de apresentar os exames prescritos no período determinado para tal.3.1. Contudo, no caso em tela, tal se deu em razão de fato de terceiro (laboratório). 3.2. Evidenciado que a banca examinadora emitiu documento atestando o recebimento da integralidade dos exames médicos exigidos no edital do certame, carece de razoabilidade a reprovação da candidata por falta de laudo de exame médico, sobretudo quando, o documento apontado como faltante foi apresentado no prazo de interposição do recurso administrativo.
4. Os relatórios médicos particulares entregues à banca examinadora, corroborados pela prova técnica produzida pelo perito do juízo, fazem prova da aptidão da candidata para o exercício das atividades de policial militar, pois revelam que a sua anomalia congênita (mega apófise transversa) não traduz condição incapacitante, visto que não gera quaisquer restrições ao desempenho das atribuições do cargo pretendido.4.1. Não bastasse, a autora foi aprovada no resultado final do concurso, convocada para o curso de formação e incorporada às fileiras da PMDF em 1º/10/14, sem que haja qualquer notícia a desabonar o exercício do cargo.
5. É certo que o poder discricionário de que goza a Administração Pública para a seleção dos candidatos mais aptos ao cargo disputado é balizado pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que exigem a adequação entre a conduta administrativa e a finalidade do ato.5.1. Sem que exista correlação entre o ato de eliminação da autora e o objetivo de selecionar concorrentes que gozem de plena capacidade física e de boas condições de saúde, na forma do art. 11 da Lei 7.289/84, a conduta administrativa se revela desprovida de proporcionalidade e, por isso, suscetível de revisão pelo Poder Judiciário.
6. Reexame necessário improvido.
(Acórdão 1068934, 20140110054309RMO, Relator: JOÃO EGMONT, 2ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 13/12/2017, publicado no DJE: 22/1/2018. Pág.: 622/635)

Como se vê acima, embora seja incontroverso que o candidato fez a entrega incompleta dos documentos exigidos para a fase médica, não houve prejuízo para a banca do concurso, pois foram apresentados ainda em fase de recurso.

Em outras situações, o Poder Judiciário também já aplicou os princípios da razoabilidade e proporcionalidade em favor dos candidatos. Para saber mais, clique aqui.

Thaisi Jorge

Thaisi Jorge

Sócia do escritório Machado Gobbo Advogados. Formada na Universidade de Brasília. Pós-graduada em Direito Contratual pela PUC-SP. Pós-graduada em Direito Administrativo pela USP. Reconhecida no guia americano Best Lawyers 2020 a 2024 na área de Direito Administrativo. Ex-Presidente da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da OAB/DF.

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